domingo, 4 de abril de 2010

Para tomar melhor conhecimento da realidade e da história da aldeia Tenondé Porã, coloco a seguir trechos de um depoimento de Timóteo Verá Popyguá, “Em vez de desenvolvimento, envolvimento”, recolhido e editado por Valéria Macedo em maio de 2006. O entrevistado destaca a construção da represa Guarapiranga em seu discurso, e, ainda, demonstra a preocupação que tinha com as obras do Rodoanel. Deixa sua opinião quando o assunto é globalização e revela sua incessante luta para manter os costumes e preservar a cultura de seu povo. Está disponível em http://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/narrativas-indigenas/depoimento-popygua.

Algumas considerações de Valéria Macedo

“Vivendo apartadas, mas não raro muito próximas de cidades ou rodovias, populações Guarani no sul e sudeste do Brasil são freqüentemente associadas pelo senso comum à “mendicância” e “aculturação”.
Desde que passou a habitar a aldeia Tenondé Porã, em 1983, Timóteo acompanhava o então cacique (...), e é com reverência que Timóteo destaca as lutas e conquistas dos mais velhos no reconhecimento das terras guarani no estado de São Paulo. Hoje Timóteo e outras lideranças procuram dar curso a esse processo, lutando pela ampliação dessas terras, cujas áreas diminutas em boa parte foram reconhecidas pelo governo estadual em período anterior à Constituição Federal de 1988.
(...) A despeito de ser contrário à idéia da mistura ou da assimilação ao mundo dos brancos, Timóteo sugere nesse depoimento que investir na afirmação da singularidade guarani por meio de projetos e produtos culturais parece ser hoje a única maneira de manter o modo de vida num mundo em que os Guarani se vêem cada vez mais acossados pela expansão das cidades e a interdição de terras por propriedades privadas ou áreas de proteção ambiental com restrição de uso.(...)
Particularmente no caso das aldeias de Parelheiros (Tenondé Porã e Krukutu), a aprovação da construção do trecho sul do Rodoanel foi precedida por uma negociação extremamente desgastante. E, a despeito da promessa da Dersa de apoio financeiro para desapropriações que possam facilitar o processo de ampliação da Terra Indígena, Timóteo vê com receio os desdobramentos urbanísticos de uma estrada desse porte na região de mananciais, preocupando-se não apenas com os Guarani, mas com todos que dependem do abastecimento de água na cidade de São Paulo.
É possível reconhecer nesse caminho muitos obstáculos e encruzilhadas. Mas essa parece ser a busca de Timóteo: exacerbar formas da cultura para garantir o fluxo da vida.” (MACEDO, 2006)

Alguns trechos que selecionei do depoimento


“Minha tia, que morreu com 120 anos, morava na aldeia do Itariri no começo do século passado. Ela me contava que na subida pelo litoral, à margem do rio Capivari, tinha um descanso Guarani que chamava Guyra Pytã por causa de uma garça vermelha que morava por lá. Essa rota continuava até chegar no rio Pinheiros e subia pela margem até Bauru. Grupo de cinco, seis famílias ia pra Bauru e depois voltava. Então ela dizia assim que uma vez vieram de novo as famílias e, quando chegaram, ficaram assustadas: de repente tinha lago no Guyra Pytã. Ficaram muitos dias lá perto esperando a água baixar, mas nada da água baixar. Depois de muitos anos souberam que era a represa feita pelos brancos. Guyra Pytã virou Guarapiranga. Minha tia sempre contava essa história para mim.

Depois que fizeram a represa, Guarani não subiu mais. Só depois de 1930, quando concluiu a linha férrea Sorocabana, que começaram a vir por aqui. Ficava uma família um mês, dois meses, e voltava pra aldeia. Sempre andava. Em 1955 ficou uma família, não exatamente aqui, mais perto do trem. Na época chamava Vila Guarani. Depois chegaram mais famílias, e começou a ficar aldeia mesmo, em 1960, neste local. Começou a chegar bastante família, parentes do Paraná, e algumas do litoral sul e do litoral norte subiam até aqui e ficavam. Hoje cresceu bastante, com mais de 800 pessoas. Mas aqui sempre foi rota Guarani.
(...)
Até 1984 aqui não tinha luz, a gente vivia no escuro. Quando chegava a noite a primeira coisa que a gente fazia era ir na casa de reza. Quando foi instalar energia elétrica, começou a comprar televisão. Com isso, mudou bastante. Mas as coisas materiais são as coisas materiais, e a parte espiritual é o essencial que tem prevalecido no Guarani.
(...)
Eu tenho 37 anos, e quando eu bater a bota, eu sempre digo para os jovens que estão aqui: “vocês são o futuro da nação Guarani, vocês têm que se preocupar, manter a língua, manter a tradição, manter a cultura”. Também estudar, saber ler, mas não misturar. Por que água e óleo não se misturam, então porque não levar em paralelo conhecimento guarani e conhecimento juruá [branco]?
Hoje as crianças juruá são educadas pro mundo do mercado. Eu penso diferente, penso o contrário, que o jovem guarani seja representante de seu povo. E criar projeto dentro da aldeia, a parte de turismo, o plantio, para não necessitar sair. Fazer artesanato e exportar pra outros países. No meu ponto de vista a globalização não é competição, a globalização é compartilhar com a diferença. Por exemplo, conhecer os Estados Unidos não é um jogo de confronto, mas sim um jogo de conhecimento, é ter um vínculo de conhecimento. Exportar cesta do Guarani, colar do Guarani, vai gerando renda pra comunidade, vai gerando emprego, e não precisa sair daqui e ir para a Avenida Paulista, ou Praça da Sé, ou República. Se a gente conseguir a ampliação da nossa área para nove mil ou dez mil hectares, aí dá pra viver tranqüilamente, não vivendo de caritativo nenhum, mas sim o índio oferecendo seu próprio trabalho, e através do trabalho gerar renda pra comunidade. Eu penso isso. Vou batalhar nisso. Em vez de depender do juruá, eu queria parceria.”


Além da ampliação ou reconhecimento de territórios, Timóteo pondera que é preciso buscar outras fontes de recursos junto aos brancos. Num encontro em Portugal, Timóteo arrebatou o público ao entoar um canto que aprendera com seu avô. Após alguns anos, propôs a confecção de um CD com cantos das crianças guarani – o que não foi feito sem a resistência dos mais velhos. A esse CD outros se sucederam e hoje boa parte das aldeias do sul e sudeste tem corais. Tentando preservar sua cultura, os indígenas acabam, de certa forma, aderindo alguns modos do homem branco – visitam diferentes partes do mundo, participam dos complexos e abrangentes meios de comunicação, acompanham modificações na “paisagem”.

“Em 1992, teve convite de Portugal para alguém que fosse representar os Guarani. E na época eu fui representar os Guarani nos 500 anos de resistência. E lá em Portugal eles estavam comemorando os 500 anos de descobrimento da América. Eu estive em Lisboa, e depois me dirigi para Algarves, onde partiram na caravela com Cabral. Lá estavam em torno de 10 mil pessoas participando da festa, estava ministro lá, e eu estava lá. Aí fui e me apresentei. A partir de quando me levantei ali, me lembrei de um canto, um canto que meu avô, que ainda é vivo, pai da minha mãe, ele cantava quando eu tinha cinco, quatro anos. Na hora que eu levantei, peguei o microfone e cantei. E na hora dez mil pessoas, ficou tudo caladinho. Eu estava sozinho ali. Eu no alto subi, cantei. Parece que tudo parou ali. Eu cantei. Aí depois eu falei sobre a minha tradição, de qual etnia eu era. Falei um pouco também em guarani com eles.

Em 1996, quando aconteceu um encontro dos povos indígenas no Ibirapuera, o Intertribol, estavam discutindo como fazer a abertura do evento. Eu fiquei pensando, e me recordei de novo desse canto do meu avô. Eu podia ensinar as crianças. Peguei cinco meninas e mais cinco meninos. Eu pegava o violão e tocava, saiu lindo. Aí gravamos um CD para a abertura do encontro. Mas quando estivemos conversando com os mais velhos, disse: “eu pensei uma coisa diferente para a abertura do evento”. E os mais velhos falaram: “não! O canto das crianças é uma coisa muito relevante, uma coisa sagrada, por que você fez isso?”, me cobrando. Só que, nisso, já veio na minha cabeça que em 1970 até 80, e 80 até 90 mesmo, o Guarani é considerado um Guarani no passado, Guarani é uma lenda, aculturado. Não só juruá, as outras nações indígenas também falavam. Aí eu dizia assim que era importante pelo menos divulgar língua, divulgar o canto das crianças para mostrar que o Guarani está vivo, o Guarani está presente, que o Guarani também é século XXI. Tive essa discussão. Aí os mais velhos começaram
: “acho que tudo bem, acho que ele tem razão”.”

Fonte: http://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/narrativas-indigenas/depoimento-popygua

2 comentários:

  1. É interessante ver, com o que já reunimos de informação, o quanto o povo de Tenondé Porã luta para preservar a sua cultura ao mesmo tempo que incorpora elementos da "nossa cultura".
    Vemos que eles se vestem com os mesmos tipos de roupas que nós, que vão para uma escola parecida com a nossa, eles, até mesmo, tem nomes diferentes para cada ambiente, como o caso mostrado no vídeo do Senac, em que o homem se apresenta com dois nomes, um guarani e outro português.
    O choque de culturas, a interação e incorporação delas está bem presente no cotidiano desse povo, e temos que explorar isso em nossa entrevista com eles ;D

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  2. Bom como eles vivem em São Paulo, que é uma região completamente urbanizada, era de se esperar que eles possuam várias características do nosso modo de viver, visto que o contato e a região influenciam bastante, e eles tiveram que se adaptar ao nosso estilo de vida.
    Talvez povos em regiões mais isoladas devem possuir mais as características da sua própria cultura, pois nao sofrem diretamente a inflência de outras.

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